2o trabalho: night

Análise da obra composta com as gravações de campo feitas à noite.

Introdução

Em setembro de 2019 troquei minha cidade natal pela capital europeia Lisboa. Um novo ambiente sonoro se abriu para mim. Muitos estímulos visuais chamam a atenção ao conhecermos uma cidade nova, mas não podemos deixar de focar nos estímulos sonoros que nos permeiam e dão trilha sonora a essas novas visões. Porto Alegre tinha um som. Lisboa tem outro.

Decidi, então, usar a sonoridade que chegava aos meus ouvidos no alto do quarto andar do prédio 54b na rua Morais Soares, em Lisboa. Em uma noite gravei três locais do apartamento: A janela da sacada, que dava para as costas dos prédios vizinhos, onde não há trânsito de automóveis nem pessoas, mas há uma infinidade de sons de pessoas vivendo suas noites no conforto de suas casas; A janela do quarto que era aberta para a rua Morais Soares, da qual vinha incontáveis sons de automóveis, pessoas, comércio e restaurantes; E o som de dentro do quarto no qual eu estava morando, um quarto interno, sem janelas, que, quando fechado, ficava quase lacrado de sons externos ao apartamento. Mas quase lacrado não significa silencioso ou sem influência do ambiente. 

Com essas três referências de paisagem sonora compus a peça Night.

Análise

0:00

A música inicia com sons agudos e repetitivos, num acelerando de informações e movimentações. Uma analogia aos meus primeiros dias na cidade. O agudo escolhido nessa sessão representa o choque que senti ao chegar. Pessoas, cultura, tratamentos. Coisas que pra mim eram completamente diferentes do habitual, aqui eram tratadas como óbvias e eu precisei aprende-las observando (ouvindo?) a dinâmica dos Lisboetas.

A descontinuidade nessa sessão é aparente pela cacofonia de sons, a troca de panoramas e a repetição surpresa de determinados trechos.

0:25

Vindo de um fade out da sessão anterior, surge o som de trânsito da rua onde moro. A troca de semântica é evidente por sair de um som rítmico e cacofônico para um som com dinâmica lenta e frequências mais equilibradas entre si. Um som ambiente de uma paisagem reconhecível pelo compositor, a noite em uma rua. Uma continuidade progressiva se inicia mas é cortada por outro som e muda a paisagem novamente. 

0:29

Corte do som da rua e entrada de um som grave e contínuo. Crescimento de dinâmica desse som. Continuidade progressiva, gerando expectativa e representando a desorientação do compositor ao se mudar para um lugar tão diferente. Também representa para mim os momentos de reflexão no meu quarto sem janelas. Refletindo sobre a mudança de vida, área de estudos e continente.

0:59

“Ruído branco” navegando pelo panorama sonoro, há uma quebra de semântica entre o anterior e este pois a representação sonora agora é a de quem olha ao seu redor e aprende muitas informações novas. O ruído branco é a quantidade de coisas diferentes, que se mesclam, se misturam e não são reconhecíveis para mim como coisas únicas, mas como um véu de novidades. A troca de panorama é o personagem lírico da obra olhando ao seu redor, primeiro calmamente, então uma rápida olhada para o outro lado. A continuidade inicia com o lento panorama se movendo, mas é quebrada com a troca repentina de panoram.

1:20

O som grave e contínuo retorna, a reflexão retorna, a semântica volta a ser a da sessão 0:29. Mais uma vez me pego refletindo sobre escolhas e sobre a quantidade de novas informações do meu novo local de escuta. Uma progressão dinâmica remete a quantidade de energia e de desprendimento envolvido nessa atividade.

1:39

Quebra inesperada, som travado, repetitivo. O compositor forasteiro se desespera. Dizem que ao final de 3 meses em um local novo acontece a primeira crise de saudades. Aqui represento meu primeiro ciclo trimestral em Lisboa, no qual realmente tive minha crise. A dúvida surge, o cérebro se questiona: Tomei a decisão correta?

Semântica completamente nova na obra, o som de “defeito” na obra, glitch, descontinuidade mas progressão na repetição até que o forasteiro é chamado de volta ao ponto inicial da sua chegada em terras Portuguesas.

1:46

A volta do acelerando de informações, a recuperação do glitch. O ínicio do novo emprego: professor de música em Lisboa. Nova enxurrada de informações enquanto aprendo como dar aula para os portugueses. Cultura nova, sensação de equívoco igual à da chegada em Lisboa.

A descontinuidade volta, os agudos que cutucam os ouvidos representando o desconforto e forçando a adaptação repentina do ouvinte. 

1:55

Um súbito corte traz o personagem de volta a sua reflexão, onde ele organiza as informações e se coloca de volta no controle das suas experiências. Um fade out enquanto a reflexão toma conta de organizar as informações e gerenciar a experiência nesse novo ambiente.